sábado, 26 de novembro de 2016

Entrevista João Lourenço

Só agora respondi a entrevista e isso foi bom. Se tivesse respondido antes teria feito um texto enorme e com referências demais. Acho que fiz uma espécie de biografia a partir da música e essa era a ideia ao elaborar as questões.
Espero que goste do meu relato. Eu gostei, de reviver muitas coisas e resgatar ótimas lembranças.

Qual a música ou lembrança musical mais antiga que tu tens e qual o primeiro disco comprado com as próprias economias? Fale também qual a música ou banda que fez tu perceber que a música teria uma importância muito grande na tua vida?

Tenho lembranças de um pequeno rádio a pilhas, que eu vivia mexendo pela curiosidade tecnológica, e pelas canções que misturavam jovem guarda e tropicália no início dos anos 70. Minha memória afetiva diz que todos os desenhos animados da época eram melhores, (não sei), mas uma coisa eu tenho certeza, as músicas eram . The Archies, Banana Splits e filmes da sessão da tarde como Monkees e a Turma da Praia, vem dai meu gosto por surf music.
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Os programas infantis dos anos 70 eram bem psicodélicos
Mas a grande fissura por música e também pelo cenário envolvido, foi a novela Estúpido Cupido, que era ambientada nos anos 50 e embalado pela trilha dos primórdios do rock nacional, na época, 1976, eu tinha 10.
Meu primeiro disco, circa 82, foi the Broadsword and the Beast do Jethro Tull, por quê? Porque sai decidido a comprar um LP, entrei na loja Hans, de Taquara e não achei nada de mais interessante, gostava da banda, mas não conhecia o disco. Me arrependi depois e foi um dos pouquíssimos discos que troquei, dos 400 LPs em vinil que tive, só troquei 5 ou 6.
A primeira música que vi que não tinha mais volta foi Lay Lady Lay do Bob Dylan, não é nenhum clássico, mas lembro que gravei numa fita Basf em um gravador tipo Juruna e escutava repetidas vezes, também deixava o gravador na cabeceira da cama para escutar logo ao acordar.
Tem a história de Nessun dorma da ópera Turandot de Puccini, que eu ouvia bem piá, numa versão chupada e bem brega do cantor Moacyr Franco, mas essa história já contei em algum lugar.

A função da música pode ser também um modo de socialização, formação de grupos. E nesses grupos pode surgir a identificação com um estilo musical e também a apreciação (de cada membro) de uma banda específica, isso para manter a individualidade de cada um. Teve um grupo de amigos assim? Qual era a “sua” banda e existia algum estilo que não gostava e que outros amigos apreciavam?

Até o segundo grau, minhas audições eram mais particulares, escutava um misto de MPB bicho grilo, Ednardo, Zé Ramalho, Elomar e algumas coisas tipo A Cor do Som. Depois que entrei no CIMOL, colégio técnico, (que por indecisão só ingressei no segundo ano), reencontrei com os amigos da oitava série e fiz outros novos. Aí iniciou a fase roqueira mesmo, hard rock e prog de primeira, revistas e edições especiais da Som Três, primeiros LPs, muitas fitas K7 com gravações dos programas do Ricardo Barão e a rádio Bandeirantes que depois virou Ipanema FM.
Nessa fase adotei a “minha” banda, Deep Purple, e cada um dos amigos mais próximos tinha a “sua” banda também, mas nenhum guitarrista era melhor que Ritchie Blackmore, nenhum baterista melhor que Ian Paice ou vocalista melhor que Ian Gillan. Até bem pouco tempo ainda guardava meus 22 discos em vinil deles. A amizade desse grupo foi crescendo cada vez mais, depois do colégio técnico continuamos em contato, formávamos a turma da caixa, pois normalmente nos reuníamos na frente da CEF de Taquara. Os gostos foram diversificando a partir do meio dos anos 80, fui mais para o lado punk, pós-punk, indie. Alguns se aprofundaram nos clássicos do rock, blues, prog, mas todos continuaram na boa música.
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Original de Fabrica, o melhor local dos anos 90, foto minha
Banda que só hoje percebo que nunca gostei é o Black Sabbath, talvez duas ou três músicas passem nunca tive interesse neles, mas disfarçava, pois a maioria dos amigos gosta(va).

Qual o seu show inesquecível, qual o que se arrepende não ter ido e qual o que gostaria de ir mas nunca teve oportunidade, seja pela distância ou até pelo tempo, tipo um show que foi realizado quando era criança ou não era nascido?

Posso dizer que vi os shows que queria ter visto, vi the Cure e Echo and the Bunnymen no auge. Vi R.E.M, Jesus and Mary Chain, New Order, Placebo 2 vezes, Fellini, Strokes, Die Haut com Nick Cave, James, Morrissey, DeFalla, Superguidis, Violeta de outono e mais um monte de dinossauros nacionais e internacionais. Gostaria de ter ido num show do Sonic Youth e do Wedding Present ainda é possível mas pouco provável.
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Echo and the Bunnymen em Porto Alegre, 1987, foto Filipe Varella
Aguardo a oportunidade de ir num show do the National, Vaccines, Splashh e muitas outras novas bandas que me motivem a sair de casa para zunir os ouvidos.
Shows impossíveis; John Coltrane. E Lou Reed nos anos 70, tocando Sweet Jane com aquelas introduções mutantes e totalmente jam session.

Se não pudesse escutar nenhuma banda ou interprete que lançou discos no século passado o que escutaria hoje? E qual a sua fonte de atualização musical?

Nesse quesito não tenho problema. Dizem que a maioria das pessoas tende a consolidar seu gosto musical antes dos 30 anos, eu sempre estou mudando, enjoando e buscando coisas novas. Tive minha fase deprê, fase anárquica, que hoje percebo eram o reflexo musical do meu estado de espírito. Joy Division que já foi, em algum momento, minha banda preferida hoje passa batido. Não gostei muito dos anos 00, mas os 10 estão muito bons, essa gurizada que esqueceu um pouco do rock dos 70/80/90, mergulharam na psicodelia mais leve, temperaram com shoegaze e o bom pop me agradam.
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Eu, de pé, em um registro dos anos 80, foto de alguém da turma
Minhas fontes são qualquer lugar, músicas em filmes sempre me chamam a atenção e o spotify tem sido terreno muito fértil para garimpagens; uso esse blog para conhecer coisa citadas pelo pessoal entrevistado.

Fale umas dez bandas, músicas ou discos que modificaram a tua vida de alguma forma e se quiser descrever como e porquê?

Como sou dono do blog, já pensei em colocar listas imensas aqui, mas vou aproveitar que estou conciso para elaborar uma lista enxuta.
Velvet Underground and Nico (disco): Hoje tenho dificuldades para ouvir como já ouvi antes, mas é inegável que tudo que pode ser considerado indie/alternativo deve muito à eles. Sempre digo que a fórmula secreta para um bom disco alternativo é intercalar canções de ninar com letras polêmicas e músicas com ruídos e microfonia.
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Sister, Sonic Youth (disco): Qualidade de som horrível, abafado. Mas para mim o melhor disco do SY, ruídos, microfonias, potência, tudo bem temperado. Encorpado com taninos e acidez perfeitos, numa linguagem de vinhos.
Psychocandy, the Jesus and Mary Chain (disco): Quem poderia imaginar, em sã consciência, que alguém iria soterrar as doces canções estilo anos 50 e 60 ( Phil Spector) em toneladas de distorções e microfonias. Falei da fórmula secreta, aqui eles não intercalaram, simplesmente misturaram canções de ninar com letras safadas e microfonias.
The Smiths/Morrissey (banda): Nos 80 não escutava tanto, para mim é como um ótimo vinho de guarda, cada vez melhor.
Sex Pistols (banda): Nevermind, bollocks. Se é que me entende?!
Wedding Present (banda): Caras que pronunciam Can Báck e não cãn béck, aquele sotaque proletário britânico, duas guitarras se entrelaçando formando um “moire” sonoro. Guitarras palhetadas como quem descarrega seu dia, de trabalho duro, nelas acompanhado de amigos e cervejas em um pub. Amantes rústicos das coisas certas que existem na vida.
Placebo (banda): O mais pop e mainstream que o lado obscuro, duro e borderline da vida pode ser.
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Alguns shows que fui, muitos não retornavam os canhotos
New order (banda): Não aquele New Order das pistas mais badaladas, aquele das pessoas que gostam de dançar para si. A melancolia que escorre no vocal, as guitarras que se mostram melódicas, low profile, escondidas por trás de ótimos teclados e batidas perfeitas.
James (banda): Nos concursos sempre tem a miss simpatia, para premiar a menina que chama a atenção por outros atributos que não o mais solicitado no momento. Numa visão romântica é a mais querida. James é a minha miss simpatia, além de ser dona da canção minha e da minha esposa (Out to Get You), sempre achei estranho essas história de música do casal, até acontecer comigo, é um história bem legal essa, mas não vou contar aqui.
Manchester ou Madchester (cidade): Factory, Hacienda, the Smiths, Joy Division, New Order, James, Stone Roses, the Fall, Buzzcocks, Inspiral Carpets, the Chameleons, Chemical Brothers, Durutti Column, Happy Mondays, Oasis, quer mais?
Britpop (estilo): É o estilo mais central no meu gosto atual, meu porto seguro. Melodias pop, pessoas inteligentes compondo, referências e citações certas, supra sumo do pop.
Shoegaze (estilo): Esconder a timidez, o descaso, o “nevermind” atrás de distorções e batidas, às vezes, malemolentes.
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Foto que tirei nos anos 90, inspirado na confusão sonora shoegaze
R.E.M (banda): Tinha um ditado, que eu usava na adolescência para o Deep Purple e agora uso para os americanos: R.E.M é banda o resto é conjunto.
There is a light that never goes out (música): A melancolia mais esperançosa de todos os tempos ou seria a esperança mais melancólica?
Divine Comedy (banda): Cheiro de Grã Bretanha, cheiro de interior daquela maldita (fucking blood) ilha, geradora das mais belas canções, cheiro de chá earl grey. Quando ouço tenho um sentimento parecido de quando viajei pelo interior da Inglaterra, País de Gales e Escócia.
Eletrônico: Aqui falo do instrumental mesmo, de pessoas e bandas que sabem se expressar através desse aparato, Kraftwerk, Chemical Brothers, Lali Puna, Moby, Orbital, drum and bass..
Timbres: A todos que sabem escolher o melhor molho para acompanhar os melhores pratos. O timbre certo me provoca sinestesia, seja nas guitarras com sons “enferrujados”, teclados viajantes, baterias trovejantes, contrabaixos musculosos e distorções cortantes.

Toca ou já tocou algum instrumento? Teve alguma banda, mesmo que imaginária, como ela era?

Tive um baixo, nunca soube tocar ou afinar, não tenho ritmo. Usava distorção e baqueta como palheta, mal consegui tirar umas linhas de Joy Division e Violent Femmes.
Tive uma banda chamada Id, de “Aidi” (identificação ou endereço na linguagem tecnológica), ou Id, irmão do ego e superego, o lado primal e instintivo da nossa psique. Ou Id de idiota (espécie de homenagem ao Iggy Pop), mas a razão verdadeira.. homenagem a banda Ideal, bandinha de músicas alemãs da minha cidade.
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Uma possível formação da banda Id, foto minha
Já atacou de DJ ou algo parecido? como foi a experiência?
No máximo atrapalhei algum amigo que discotecava, gostaria muito de colocar música para um pessoal legal algum dia.
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Material de divulgação de uma festa que fizemos no bar Original de Fábrica, foto? Luciano?

Se fosse para participar de uma banda, qualquer uma, qual seria e que instrumento tocaria?

Eu tenho que ter alguma empatia para gostar de uma banda, então tem algumas que gostaria de tocar junto outras só de ser amigo e outras.. tenho até medo de chegar perto. Mas acho que eu gostaria de ser alguns músicos em determinados instantes no palco, como o Simon Gallup, baixista do the Cure, Stephen Morris ou Steve Shelley, bateristas do Joy Division e Sonic Youth respectivamente ou Lee Ranaldo guitarrista do SY.

Que músicas ou estilo embalariam ou embalam tarefas cotidianas ou dias específicos, tipo passear de carro em uma tarde de sábado de primavera? Praticar um esporte radical? atravessar a cidade a pé em uma madrugada de inverno? Coloque outros itens.

Essa pergunta nasceu justamente dessa impressão que tenho ao ouvir LLoyd Cole and Commotions, “uma tarde de sol de primavera”. Para uma madrugada fria e com neblina, algo meio noir, jazz, John Coltrane, Charles Mingus. Para algo mais radical, Sabotage dos Beastie Boys ou Atari Teenage Riot. Para ler livros deitado numa rede, minha atual playlist do spotify, não sei como alguém pode ter uma seleção que me agrade tanto, rs.
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A turma em “uma tarde de sol de primavera” nos anos 80 ou 90, foto minha

Acho que todos gostamos de algumas músicas que não tem muito a ver com a imagem que temos de nós mesmos, que música ou banda não gostaria de ser flagrado ouvindo por uma pessoa que não te conhece ainda? Que poderia criar uma imagem errada do teu gosto?

Acho que foi a pergunta mais mal elaborada por mim. Ela nasceu de uma brincadeira, onde todo o radical, alternativo, acaba gostando de algo fora do esperado. O Jimi Joe, músico, crítico e radialista, por exemplo, brinca com isso ao admitir gostar de Pet Shop Boys. A minha banda escondida na fase radical era Kid Abelha, agora que não sou mais radical não gosto mais deles.
Outra coisa, não gostaria de ser definido por um estilo, surf music, garage band, dark, eletrônico, guitar band. Gosto de muitas coisas e tem uma afirmação bem interessante do músico e crítico Thomas Pappon, entrevistado aqui no blog: -Causo mais surpresa pelo que não gosto do que pelo que gosto. Também me vejo assim, as pessoas acham obvio que eu gosto de algumas coisas, pois escuto outras semelhantes.
Sou chato, quem já ouviu a minha teoria de não gostar de bandas que tem músicos com chapéus grandes e estranhos sabe bem.

Na adolescência qual era o estilo de música que tu achava que estaria ouvindo hoje e qual realmente está?

Nessa questão tenho que rir de mim mesmo, quando comecei a escutar rock, que incluía progressivo, pensava que depois dos trinta eu ia depurar meu gosto e só escutaria jazz e música clássica, algo meio blasé. Tipo sentado em uma biblioteca com um cachimbo e fazendo cara de intelectual enquanto apreciava som “erudito”. Mas continuo escutando tosqueiras , não escuto jazz, muito menos fumo cachimbo.

Números. Quantos discos, cds, dvds, k7 e livros musicais já teve até agora. Indique alguns livros e filmes interessantes sobre música.

Já tive mais de 150 fitas K7, afinal, som portátil era walkman. Tive 400 discos em vinil e tenho uns 600 CDs, DVDs são poucos, não sei se chega a uma dúzia.
Livros são muitos, próximo a 40 , entre biografias e relatos de cenas musicais, sem contar os de cultura pop, onde a música conduz a história.
Filmes.. tem ótimos filmes sobre música, tem ótimos filmes com trilhas fantásticas, mas só tem um filme/livro que é a própria música, é o resumo do que eu queria encontrar com esse blog: -Alta Fidelidade -Livro/adaptação de Nick Hornby, direção Stephen Frears e John Cusak como protagonista, nunca um personagem pareceu tão perfeito para um ator. Não são só as referências musicais, mas todas as fantasias que habitam a cabeça de um consumidor de cultura pop. Onde a música está entranhada e conduz cada fato, momento e ações dessa pessoa.

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Pergunta extra: Oque te irrita na música?

Além da resposta obvia, -As músicas, tenho pavor de coisas melosas. Música tem que passar algum sentimento, qualquer um, raiva, angustia, melancolia, bem estar, mas não aguento músicas açucaradas, tenho diabetes auditiva.
Mas outro ponto que vem me deixando pensativo ultimamente, está relacionado à músicas que gosto. Já falei da empatia com as bandas, e tem algo que vem me incomodando e brincando com o meu senso de coerência. Sempre gostei de músicas mais nervosas e contestadoras, gosto de punk, principalmente do anárquico, que não carrega bandeiras ideológicas panfletárias.
De caras que conseguem expressar a revolta em oposição aos sistemas que vão contra as liberdades individuais, sem cultuar ideologias ou “heróis”políticos. Vejo muitas bandas legais com músicas legais, mas que falam coisas que não concordo, acho as argumentações simplórias e fantasiosas demais, e e isso me incomoda. Por isso prefiro Sex Pistols a the Clash.

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