domingo, 22 de junho de 2014

Entrevista Thomas Pappon

Thomas Pappon era meu crítico favorito da revista Bizz, também músico, participou do boom da cena independente em um tempo onde os “indies” da época estavam totalmente em sintonia com o mundo e criando uma versão tupiniquim da vanguarda musical.

Participou das bandas Smack e Voluntários da Pátria mais reconhecido pela banda Fellini e agora toca o projeto The Gilbertos. Gostei e me identifiquei quando ele diz que causa mais espanto não pelas bandas que gosta e sim as que não gosta, não tendo um gosto tão obvio como eu também acho que tenho.

1) Acho que todos, em algum momento, percebem que a música é algo além de dançar ou se chacoalhar e veem que ela traz muitas emoções e se fixa na memórias ao longo da vida. Qual a música ou lembrança musical mais antiga que tu tens e qual o primeiro disco comprado com as próprias economias? Fale também qual a música ou banda que fez tu perceber que a música teria uma importância muito grande na tua vida?

Lá em casa, no bairro do Sumaré em São Paulo, nos anos 60, ouvia-se muito rádio - lembro de ouvir muito 'Deixa Isso Pra lá' do Jair Rodrigues - e a vitrola tocava muito Roberto Carlos, tipo 'Que Vá Tudo Pro Inferno', 'Eu Te Darei o Céu Meu Bem' e 'O Calhambeque'. Era uma relação passiva ainda. Quando a gente mudou para Higienópolis, eu tinha uns 10 anos, foi aí que comecei a explorar a coleção de discos dos meus pais - vários compactos trazidos da Alemanha e LPs, tudo comprado pela minha mãe, que era a pessoa com gosto por música da casa. Essa coleção - jazz, easy listening europeu, coletâneas de sucessos da época e alguns poucos discos de rock como o 'Sgt. Peppers', o primeiro dos Monkees e o 'Willy and The Poor Boys' do Creedence Clearwater Revival, fundiram minha cuca, bicho. Depois teve um Natal na Alemanha em que ganhei meus primeiros compactos (nunca esqueci), Paranoid/The Wizard do Black Sabbath, e Thank You/Everybody is a Star do Sly And Family Stone, dados pela Dna. Christa, minha mãe. Ela também me daria meu primeiro LP, The Magicians Birthday, do Uriah Heep (meu primeiro grande 'amor'; mais tarde, ainda na adolescência, viriam a paixão pelo King Crimson e Frank Zappa). O primeiro disco comprado com meu dinheiro foi o compacto ABC, do Jackson Five, na Drugstore's, na Rua Augusta, tipo em 1971.

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Meus discos em vinil com o Thomas
2) A função da música pode ser também um modo de socialização, formação de grupos. E nesses grupos pode surgir a identificação com um estilo musical e também a apreciação (de cada membro) de uma banda específica, isso para manter a individualidade de cada um. Teve um grupo de amigos assim? Qual era a “sua” banda e existia algum estilo que não gostava e que outros amigos apreciavam?

Música é tão importante para mim que, mesmo sendo tímido e fechadão, faço amizades no ato com qualquer pessoa que tenha o mesmo interesse. Na única 'turnê' dos Gilbertos, faz uns dois/três anos, por exemplo, fiz uma amizade que sei que vai durar pra vida toda com o Felipe (Maia, baterista) e o Pinguim (teclados), caras que tinha acabado de conhecer,  porque sei que posso passar horas com eles falando de música.  Nos anos 80 eu 'vivia' música, todos os meus amigos eram ligados a ela de alguma forma.  Gostava de dezenas de bandas - que todos gostavam - Joy Division, The Cure, Gang of Four, The Fall, The B-52's, Killing Joke, The Stranglers, The Sound, New Order, The Police, Talking Heads, Bill Nelson, Pretenders. Mas nunca curti as bandas punk, Pistols, Clash, etc, nunca curti heavy metal (vários bons amigos meus adoram Iron Maiden, que eu não ouço), nunca consegui gostar de Bob Dylan, Van Morrison e Elvis Costello -  e do David Bowie só gosto do 'Low'. Só faz uns três anos é que comecei a gostar muito dos Rolling Stones. E era o único da minha turma que gostava de Steely Dan (todo mundo detestava!) e Crosby, Stills, Nash & Young.

3) Qual o seu show inesquecível, qual o que se arrepende não ter ido e qual o que gostaria de ir mas nunca teve oportunidade, seja pela distância ou até pelo tempo, tipo um show que foi realizado quando era criança ou não era nascido?

Nossa...inesquecíveis foram os únicos shows que vi do Iggy Pop - que entrou pulando e saiu pulando - e do King Crimson, ambos em Colônia, tipo 93 e 95. Recentemente fui ver o Scritti Politti com meu filho, aqui em Londres, foi demais.  A volta do Gang of Four, em 2005, com a formação original, no Shepperds Bush Empire foi cho-can-te. Um show dos Novos Baianos numa clareira no Parque do Morumbi, tipo em 74, foi desbundante. O do Egberto ali também. Tem muitos shows que vi que achei longos demais, mas nada que tivesse me arrependido muito.

Queria ter visto o Zappa tipo em 72/73.  O Joy Division. O Led Zeppelin em 1972-74. Queria ter visto shows pequenos do Elliot Smith e do Nick Drake.  Queria ter visto a turne  RocknRoll Animal do Lou Reed...o Television e os Talking Heads no CBGBs. A Hendrix Experience em Londres, em novembro de 66 no 'Bag o' Nails', uma pequena casa noturna, o show que deixou todo mundo de quatro, pedindo arrego, de Pete Townshend e Jeff Beck a John Lennon e Paul McCartney.  Queria ter visto shows do Japan em 81 e o show de Crosby & Nash em 71 que virou o disco 'Another Stoney Evening'.  Ah, e queria ter visto os La's . E o Dr. Feelgood na formação original, com o Wilko Johnson na guitarra.

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Meus CDs
4) Se não pudesse escutar nenhuma banda ou interprete que lançou discos no século passado o que escutaria hoje? E qual a sua fonte de atualização musical?

Escuto coisas ultrapsicodélicas como Connan Mockasin e Unknown Mortal Orchestra. Django Django, Warpaint, Dum Dum Girls, The Fresh & Onlys, Hauschka, Sigur Ros, Sufjan Stevens. Sou assinante da revista MOJO faz uns 20 anos, é minha principal fonte de atualização. E o YouTube.

5) Fale umas dez bandas, músicas ou discos que modificaram a tua vida de alguma forma e se quiser descrever como e porque?

Zappa (do 'Hot Rats' ao 'Zappa In NY'), King Crimson (até o Discipline), Egberto Gismonti, Spoon, Pavement, Creedence Clearwater Revival, Beatles, Brian Eno, Gene Clark, Steely Dan, Stranglers, Joy Division, Wire, Swans, Steely Dan (amo os primeiros dois), Joe Walsh, Alasdair Roberts e Taiguara e o disco 'Loki?' do, Arnaldo Baptista.  No momento, acho que o melhor disco de todos os tempos é o disco homônimo dos The La's. E tem o 'Stories From the Cities..' da PJ Harvey, o 'Its Only a Movie' do Family, o 'Isn't Anything' do My Bloody Valentine, o 'Clube da Esquina' do Milton e do Lô, o 'Power Corruption & Lies' do New Order, o 'Whammy' dos B-52's e a trilha sonora de 'A Dança dos Vampiros', de Krystzof Komeda, que são puro gênio.

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6) Toca ou já tocou algum instrumento? Teve alguma banda, mesmo que imaginária, como ela era?

Toco bateria, violão, guitarra e baixo. 

7) Já atacou de DJ ou algo parecido? como foi a experiência?

No Alberta, no centro de São Paulo, faz uns 3 anos, ataquei de DJ por uma hora. Não era para fazer o pessoal dançar e acho que ninguém deu bola. Mas passei a vida todas mostrando e tocando discos e CDs para amigos, o que sempre curti muito. Meu sonho era ter um programa de rádio, que nem o John  Peel na BBC, receber um monte de lançamentos e só tocar o que acha bom. E ser bem pago por isso. 

8) Se fosse para participar de uma banda, qualquer uma, qual seria e que instrumento tocaria?

Queria fazer um som com o pessoal do Veracidad, uma banda instrumental de São Paulo. Comprei um CD deles faz uns 7 anos, e sempre ouço. Tocaria guitarra, teclados, o que for.

9) Que músicas ou estilo embalariam ou embalam tarefas cotidianas o dias específicos, tipo passear de carro em uma tarde de sábado de primavera? Praticar um esporte radical? atravessar a cidade a pé em uma madrugada de inverno? Coloque outros itens.

Ouço música em três situações: quando estou cozinhando, quando estou no carro e quanto estou me locomovendo pelas ruas ou no transporte público. Na cozinha eu exploro meu 'rádio' de internet wifi (sempre a BBC 6 Music ou a WFMU de Nova Jersey ou a Soma Drone de San Francisco) ou minha farta coleção de CDs, em particular os de easy listening, musica francesa, clássica, trilhas de filmes, musica eletrônica suave (muito ambient do Brian Eno), jazz, krautrock, MPB antiga (só coisa de antes de 78, que é quando a MPB perdeu a graça para mim) e rock antigo. No metrô ou na rua, em geral, o que mais ouço no iPod são as coisas que eu mesmo estou fazendo, meu novo 'trabalho'. No carro, vou de radio, a não ser que as viagem seja longa, ai levo alguns CDs. 

10) Acho que todos gostamos de algumas músicas que não tem muito a ver com a imagem que temos de nós mesmos, que música ou banda não gostaria de ser flagrado ouvindo por uma pessoa que não te conhece ainda? Que poderia criar uma imagem errada do teu gosto?

Não tenho vergonha de nada que goste - na verdade, acho que causo mais espanto em terceiros com as coisas de que não gosto. Quem me conhece sabe disso.

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Lembro muito bem deste show
11) Na adolescência qual era o estilo de música que tu achava que > estaria ouvindo hoje e qual realmente está?

Quando era jovem não pensava no que ouviria quando estivesse com 50 e poucos anos. Sempre fui aberto a tudo e tenho plena confiança no meu instinto. Ou seja, gosto mais ou menos das mesmas coisas. Mas, uma coisa é certa: estou um pouco cansado de ouvir bandas novas, acho quase tudo no rock sem graça, pouca coisa me anima. Não ouço musica em situações de euforia, balada, festa, mal vou a shows e hoje gosto muito mais de coisas simples, minimalistas, tranquilas - som de fundo, quase.  

12) Números. Quantos discos, cds, dvds, k7 e livros musicais já teve até agora. Indique alguns livros e filmes interessantes sobre música.

LPs deve ter chegado a ter uns 1200, hoje tenho uns 120. CDs tenho hoje uns 500 de MPB e outros 1000 de rock, jazz, easy listening, etc. Cassete tive um monte, ainda tenho umas caixas com uns 100, na maioria masters de gravações de porta-estúdio e entrevistas. Das centenas de cassete que gravei nos anos 70/80, acho que não tenho mais nenhum. Livros tenho algumas biografias recomendo muito o Hotel California, do Barney Hoskins, para quem quiser entender o clima social e a cena que nos deram os Byrds, C, S, N & Y, Gene Clark, Eagles, Joni Mitchell, etc. E o livro dos Mutantes, do Carlos Callado. No Brasil, essas biografias são importantíssimas pela falta de arquivo e memoria nacional. Filme só recomendo um: o documentário 'spoof' (satira) Spinal Tap. No Brasil ninguém conhece, aqui todo mundo viu dúzias de vezes, eh um supercult. Quem gosta de rock tem que ver o Spinal Tap, falei e disse.    

Faça duas ou mais perguntas para si mesmo a respeito de música e responda.
Quem é o maior cantor do Brasil?

Taiguara.

Quando é que a MPB vai voltar a ser interessante? 

Quando sair o novo álbum dos The Gilbertos: 'Sambas de Garagem'. Aguardem.

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