sexta-feira, 25 de abril de 2014

As introduções de Sweet Jane

Muitos colecionam muitas coisas, dizem que é mania de pessoas ansiosas, sei lá, mas ele não colecionava nada de muito diferente. Se pensarmos bem, devem ter milhares, quiçá milhões de outras coleções mais estranhas.

Ele colecionava introduções diferentes da música Sweet Jane, não versões diferentes por diversas bandas, tinha que ter o Lou Reed junto, senão, não valia.

mc_large

Ele já tinha diversas peças em fita cassete e vinil. Também criara uma rede de fornecedores de variantes. Todos os comunicadores de radio um pouco mais antenados e críticos de música, de revistas ou jornais, já tinham recebido sua solicitação, junto de uma lista de quais itens ele já tinha.

Mas tudo ficou diferente e mais importante depois que ele conheceu Jane, não era a Suit Djeini, era Jãne mesmo (mim eu, tu Jane), e a pronuncia do nome era a única coisa que ele não achava perfeito nela. Jane tinha o cabelo castanho meio loiro, curto com um volume maior de um lado, raspado do lado esquerdo, magra, alta e olhos indecisos entre o verde e o azul, com o magnetismo de um redemoinho sugando toda a atenção ( magnetismo de um redemoinho? ), isto não tem sentido, até pensei que dava, mas como magnetos têm polaridade não devem causar este efeito giratório, sei lá, mas dá para entender.

Lou Reed lou2

Depois disto, ele só imaginava como iria abordá-la e falar de sua estranha coleção. Estranha para um não roqueiro e admirável para um iniciado, além disto, aquela letra, que ele traduzira com um dicionário na mão, não fazia sentido para ele. O que ele gostava era aquele esquema de ora a introdução ser baseada no baixo com um funk, ora em cima da guitarra. O legal era aquele clima de jam session e aquela melodia maravilhosa da música, nunca se ligou em letras.

Mas e se ela não gostasse da música, simplesmente por não gostar de rock, de música estrangeira, ou pior, se ela fosse entendida do assunto e não gostasse por achar o Lou Reed um depravado.

album-rock-n-roll-animal

Paralelo a isto, um crítico de música, um daqueles que receberam as centenas de cartas que foram atiradas para todos os lados, respondeu. Aquele envelope veio gordo, com uma fita cassete e uma versão nova, com uma introdução inédita para ele, gravação tosca, pirateada num gravador de mão, além disto, o jornalista falava da tournê européia do Lou Reed. Ele já vinha guardando grana para isto, ver ao vivo, no instante exato que nascia mais uma improvisação daquela música mutante, instante único no universo.

Mas a grana era só uma desculpa para dizer que estava fazendo algo neste sentido, no fundo ele sabia que não teria a coragem necessária para ir sozinho para um local desconhecido, sem saber onde ficar, como comprar o ingresso, como chegar ao local, como falar com um dicionário na mão, como pedir comida, como sair tarde do show, que tipo de público vai num show destes, e se o Lou Reed morresse de overdose antes do show, se alguém roubasse o passaporte, pera ai... ele não tem passaporte, onde se faz passaporte? E se o drogassem num bar e roubassem seus rins?

Para controlar tudo, ele planejou as fases, afinal tinha tempo para ir para Paris, três meses até o a data do show. Porque diabos não tinha um show em Portugal, Espanha que fosse, pelo menos poderia tomar uma cueca-cuela.

Reed_LouLive

Plano de ação: primeiro, dentro de três semanas, fazer o passaporte, depois procurar um pacote de turismo na mesma data, assim todos os problemas de estadia e locomoção estariam mais ou menos resolvidos. Onde encontrar dinheiro da França? Qual a moeda mesmo? Franco? Onde conseguir ingresso? O crítico mandou um telefone, talvez tentar com ele. E na volta contar para a doce Jane o que ele fez só para impressioná-la, sem dúvida seria a oportunidade de entrar na loja e puxar papo com ela.

As três semanas passaram, chegou a hora de tomar uma atitude, como fazer passaporte? Ele não conhece ninguém que tenha saído do país, nem para o Paraguai, só aquele cara que vendia G-Shock no escritório. Polícia federal, foto datada, cópia de documentos... acho que não vou mais, assim ele pensou... e a fantasia se acabou.

Desistiu de sua coleção de Sweet Janes.

E Jane? “Jane era apenas uma balconista”, ele lembrou da letra mal traduzida. E ao fim e ao cabo a Jane ficou no mesmo caminho do show, planos e planos e nunca a ação.

A fantasia é tão mais fácil, só não pode ter data de validade e personagens reais envolvidos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário